sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Quíron em Touro e a Crise Portuguesa

Faço parte da última geração que nasceu com Quíron em Touro. A vulnerabilidade associada ao sentido de valor próprio e à capacidade para assegurar uma vida estável parecem ser características deste posicionamento, ainda que tal se possa manifestar de modo muito diferente. Para algumas pessoas, isso pode representar grandes dificuldades na relação com o corpo e as suas necessidades. Para outras, a falta de recursos financeiros que leva a contar os dias de mês a mês, de vencimento em vencimento (ou de subsídio em subsídio). 

Actualmente Portugal atravessa o período mais negro da sua História recente. Talvez os mais antigos se lembrem de tempos igualmente difíceis - ainda que as dificuldades fossem outras - mas para aqueles que como eu cresceram em liberdade e estabilidade, que aprenderam a confiar nas instituições - por mais ineficientes e mal geridas - e a acreditar que o voto faz a diferença, estes são tempos de completa estupefacção.

Mapa Astrológico da Revolução de Abril de 74
Adaptado de Astrodienst
Lembrei-me que muitas pessoas da minha idade (nascidos entre 1977 e 1980, mais coisa menos coisa) terão Quíron em conjunção ao Sol em Touro do actual regime democrático português (ver mapa astrológico do 25 de Abril). A construção deste Estado português parece ter-se sempre regido pela melhoria das condições de vida em termos muito concretos. E sem dúvida que os dinheiros europeus contribuíram de forma decisiva para esta sensação de que nada nos faltará jamais, da parabólica ao automóvel novo de 3 em 3 anos, do estatuto inatacável de funcionário público à inconsciente herança salazarista de que "está tudo bem assim e não podia ser de outra maneira". 

Tudo isto é Touro em modo "agora-não-me-apetece-evoluir-que-aqui-está-se-muito-bem". O comodismo, o consumismo, a inércia. Talvez a identidade natural renascida no 25 de Abril sempre tenha ressoado no nosso Quíron em Touro. E como a mentalidade predominante, talvez tenhamos calado a nossa inerente falta de sentido de valor com as benesses com que a má governação nos ia anestesiando. Se podíamos arranjar facilmente um emprego na Função Pública, porque nos haveríamos de questionar sobre os nossos talentos? Para quê pensar se o trabalho que fazíamos tinha qualidade se no final do mês o salário estava sempre garantido? E porquê colocar em causa a ineficiência, as cunhas, a incompetência, a injustiça, se sempre assim tinha sido e sempre assim seria? Don't make waves.

Valores, valores. Já não nos podemos esconder: Quíron em Touro sofre com o estado do país, e sofre muito. A já famosa crise de valores. Afinal, o que é mesmo importante para nós? Quem não encontra sustento por cá abandona o país com amargura e desilusão. Entre os que cá ficam, alguns manter-se-ão na ilusão de que isto "há-de passar" (Touro em negação é assim, agarra-se ao que é seu e espera pacientemente que tudo o resto volte ao sítio). Mas para muitos já não há como voltar atrás, à ingenuidade de que somos um país desenvolvido que, apesar das dificuldades, caminha lentamente no bom sentido. A crise força-nos a enfrentar a nossa debilidade quirónica. O que valho eu? O que restaria em mim se tudo o que é meu me fosse tirado? O meu corpo? Os meus talentos? O que tenho em mim de útil, de válido, de valioso, que possa garantir o meu sustento? O que posso eu construir que seja sólido, estável, à prova de crise?

E quando sabemos que é tempo de aceitar a mudança em vez de resistir-lhe? Como pode Quíron em Touro aceitar tamanha mudança num País tão avesso à mudança, se nem sabemos o que das nossas vidas pessoais vai sobrar quando tudo isto finalmente tiver um fim... ? Afinal, quando vale a pena agarrarmo-nos furiosamente ao nosso querido modo de vida, e quando é melhor simplesmente partir para longe, para uma nova promessa de abundância e de estabilidade...?

Não tenho respostas. As perguntas levam-me a reflectir sobre a riqueza de significados que está contida em Quíron. Talvez tudo isto nos force a encontrar novas e melhores formas de gerir os nossos recursos, individuais e públicos. Talvez nos desafie a utilizar e rentabilizar talentos que nunca antes levámos a sério. Talvez nos obrigue a construir um novo tipo de estabilidade pessoal e colectiva, mais sólida, mais durável. Talvez nos leve a descobrir que não podemos esperar ser sustentados pelo Estado, por mais impostos-ou-contribuições-ou-taxas que paguemos. Que o nosso valor próprio enquanto indivíduos e enquanto povo pode e deve resistir aos maus orçamentos, aos maus políticos, às más conjunturas interna e externa e a todo a escassez material e moral que este país ainda venha a ter de suportar.

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