Recebi por mail o anúncio de um “curso de pensamento positivo” que será na verdade uma introdução ao Raja Yoga. Bem mais interessante o que realmente é do que pretende ser, não? A expressão “pensamento positivo” deriva do conceito de que o pensamento humano pode alterar a realidade exterior sem recurso à acção directa sobre essa realidade. As origens deste conceito remontam a Platão, e ao longo dos tempos muitos filósofos, escritores e místicos deambularam sobre o tema (aqui fica um link para as obras mais influentes dedicadas ao assunto).
Nietzsche (filósofo alemão, 1844-1900) defendeu ideias muito interessantes a respeito do poder da vontade, e utilizou uma interpretação invulgar (ainda que perfeitamente lógica) do mito de Pandora para ilustrá-las. Na mitologia grega, Pandora foi a primeira mulher, criada em co-autoria por vários deuses. A certa altura, Zeus encarregou-a de um “frasco” (no original não seria uma “caixa”) onde estavam guardados todos os males do mundo e que nunca deveria ser aberto. Mas a curiosidade de Pandora levou a melhor, o jarro foi aberto, e toda a espécie de males libertada sobre a Humanidade. No fundo do jarro terá ficado, apenas, a esperança. Nietzsche defende então que a esperança é uma miragem e o maior problema da Humanidade, e que por isso permaneceu dentro do jarro: é a única desgraça que não se propaga “voando” de pessoa em pessoa, mas insinuando-se e penetrando profundamente na mente humano.
As críticas de Nietzsche ao carácter pernicioso da esperança assumem especial pertinência quando se trata de observar, tão racionalmente quanto possível, o movimento do “pensamento positivo” que está hoje por todo o lado. O problema básico com ambos os conceitos é o mesmo: ao acreditar que algo terá um desfecho positivo, corremos sérios riscos de nos demitirmos da responsabilidade de agir para que esse desfecho positivo de facto se concretize. Nesse sentido, o pensamento positivo é ainda mais tóxico: quando as coisas correm mal, o falhanço é atribuído pelo indivíduo à falta de capacidade para gerar pensamentos positivos eficazes. Saem assim reforçados os sentimentos de inépcia e de fracasso pessoal que deprimem e sustentam a dependência emocional de soluções fáceis para a dificuldade em lidar com a frustração.
A literatura de auto-ajuda à la carte, que teve o seu auge (espero eu!) com a publicação d’O Segredo, mais não fez do que distorcer algumas leis herméticas para dar à generalidade do público (leiam-se “consumidores”) um pacote apetecível de crença na ideia de que tudo lhes é possível, bastando quererem muito muito e colocarem nesse querer todos os seus recursos emocionais/mentais/espirituais. E então porque é que isso não há-de funcionar, se tudo no Universo é Mental (1º Princípio Hermético)?
- Porque para cada coisa há o seu oposto (4ºPrincípio Hermético – não faz muito sentido usar os princípios que nos dão jeito e descartar os que não encaixam assim tão bem na teoria, pois não?). Com cada desejo intenso de ter algo – pessoa, situação, objecto,… - coexiste dentro de nós o medo igualmente intenso de não ter esse algo. Quando afirmamos com todas as forças “Quero isto”, há uma sombra nessa afirmação luminosa que tentamos varrer pra debaixo do tapete da mente consciente: “Receio nunca ter isto”. Ambas as afirmações partem de nós, indissociáveis, e o resultado prático observável será que uma anula a outra.
Certas correntes do Ocultismo moderno afirmam que para executar verdadeira Magia (=”a ciência e a arte de causar Mudança em conformidade com a Vontade” – Aleister Crowley) é necessário:
1º Atingir um estado de gnose (leia-se "transe") em que a actividade da mente racional é temporariamente suspensa de modo a que se possa emitir um pensamento único, unidireccional, expressão pura de uma só vontade (“Quero isto!”) sem as dúvidas/medos do seu oposto (geralmente produzidos pela mente racional).
2º Abandonar a necessidade que temos de ver a nossa vontade concretizada. Idealmente, esquecer que alguma dia quisemos aquilo. Porque ao regressar ao estado habitual, a mente racional volta a produzir os mesmos pensamentos polarizados (desejo/medo), e isso acabará por interferir com a concretização do pensamento unidireccional anteriormente expresso.
Outra forma de conseguir as coisas poderá ter um interesse místico-metafísico substancialmente inferior, mas ser muitíssimo mais eficaz do que todo o stock da FNAC em livros de auto-ajuda: AGIR. Nesta era de busca incessante pela espiritualidade, muitos de nós tendem a envolver-se demasiado com o domínio das coisas invisíveis e esquecer que aqui estamos em corpos materiais que interagem com o “mundo real” (as pessoas na nossa vida, as contas para pagar, o trabalho e a falta dele, música e arte para nos elevar o espírito!) Nessa interacção ficamos a conhecer os nossos talentos e enfrentamos as nossas dificuldades. C’est la vie, e ainda bem que assim é (digo eu): vir a este mundo, perceber que temos muito trabalho pela frente e choramingarmos por Deus/Universo para que nos tire da caca será um bocadito imaturo em termos espirituais e muitíssimo improdutivo em termos práticos, não?
E para lidar com o mundo material, há uma coisa óptima chamada “optimismo” (passe o pleonasmo). Ser optimista não é a mesma coisa que ter esperança. O optimismo pode fazer parte daquilo que SOMOS, a esperança é algo que podemos TER ou não, consoante dela sintamos necessidade. O esperançoso espera que tudo aconteça de acordo com a sua vontade, crendo e querendo que a realidade se molde às suas expectativas. O optimista adapta-se à realidade, qualquer que ela seja, imbuído de uma auto-confiança que o torna emocionalmente resiliente perante os altos e baixos da vida. O que quer que aconteça, saberei tirar o melhor partido da situação (ou como dizem os ingleses, “every cloud has a silver lining”).
Astrologicamente, a atitude optimista está associada ao elemento Fogo e aos signos por ele inspirados: Carneiro, Leão e Sagitário. As pessoas que no seu mapa astrológico têm planetas em signos de Fogo (com maior ou menor preponderância atendendo às restantes componentes do mapa) tendem a adoptar uma atitude optimista na definição da sua identidade (Sol), na reacção emocional às circunstâncias (Lua), na forma de agir (Marte) ou de seduzir (Vénus), etc. São os entusiastas, os “go-get-it”, os que encontram motivação extra em cada obstáculo que se lhes apresente, aqueles em quem a chama criativa parece nunca esmorecer (ainda que possa mudar de direcção várias vezes por dia ;-). Estas pessoas são generosas nas suas demonstrações de ânimo, e se souberem dosear tanta enegia (porque demasiado Fogo pode ofuscar todo e qualquer outro ego no raio de vários km), podem desenvolver o extraordinário talento de inspirar os outros, fazendo-os sentir especiais e capazes de agir decididamente sobre as suas próprias vidas.
Nem todos temos uma boa dose de Fogo, e é mesmo assim: só cá está quem cá faz falta. Se no entanto sentir falta de uma fonte extra de motivação, esqueça os livros de auto-ajuda e procure um bom amigo destes. Não terá grande paciência para ouvir os seus problemas, é certo, mas ajudá-l@-á a encontrar as gargalhadas que dentro de si julgava perdidas.
PS- Este post é dedicado a todos carneiros, leões e sagitários, de Sol ou de outro planeta qualquer, declarados ou encapotados, que por este mundo espalham a sua chama interior sem pudor pela(s) crise(s) de dinheiro e de valores e de existência, como se não houvesse amanhã e hoje fôssemos apenas crianças brincando na praia.
Fonte: Astrotheme.com |
PS2- Friederich Nietzsche nasceu em 15 de Outubro de 1844, com o Sol em Balança. O trígono da Lua em Sagitário a Urano em Carneiro ajudam a perceber a sua profunda necessidade (Lua) de lutar por uma causa maior (Sagitário) revoltando-se contra a ideologia dominante da época e defendendo que apenas ao ser humano compete assumir as rédeas do seu próprio destino (Urano em Carneiro). Com Marte em conjunção ao Meio-do-Céu (MC) em Virgem no topo de um yod que envolve Plutão e Neptuno, Nietzsche atingiu grande notoriedade pública (MC) ao exercer um sentido crítico implacável (Marte em Virgem) perante aquilo que considerava ser a mediocridade do pensamento dominante das massas, defendendo sem reservas o poder individual (Plutão em Carneiro) e a libertação do ser humano dos dogmas religiosos que o inferiorizavam perante a existência de um Deus caprichoso (Neptuno em Aquário).