sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Como "escapar" dos conflitos interiores ?

Sou estudante de Filosofia e Astrologia, passo a vida com grandes questões na cabeça e consigo sempre dar bons conselhos aos outros mais que a mim mesmo. 

Como não defini propriamente a minha carreira até agora, sinto-me em constante luta comigo próprio e principalmente com o mundo, qual Atlas com o mundo as costas... Sinto-me muitas vezes preso e profundamente melancólico. 

Como arranjar vias de escape para me poder "mexer" à vontade 
e resolver a ferida do meu Quíron? 

José, Lisboa

Adaptado de Astrodienst
Esta questão lembrou-me dum fenómeno que acontece muitas vezes (sempre?) com aqueles de nós que se dedicam à Astrologia. O nosso objetivo principal é perceber quem somos, como funcionamos. Estudamos o nosso Mapa Astrológico à exaustão, se preciso for. Mas ainda assim, por mais avançado que seja o nosso conhecimento teórico, acabamos sempre com uma visão limitada, enviesada do nosso próprio Mapa. Afinal, como poderia assim não ser? Quando olhamos o nosso reflexo no espelho, não vemos o que os outros vêm, mas sim aquilo que estamos predispostos a reconhecer - as rugas, o nariz esquisito, os cabelos brancos, ou o sorriso espetacular, o olhar brilhante, o estilo impecável.

E é por isso que astrólogos procuram astrólogos. Como diz o ditado, "em casa de ferreiro, espeto de pau". Ter o nosso Mapa analisado por outra pessoa é como se tivéssemos passado imenso tempo a olhar para uma estátua, sempre da mesma posição: quando já quase nos convencemos que pouco mais há para saber, chega alguém que diz "Mexe-te um pouquinho da tua visão cristalizada e olha para isto de outro ângulo, de outra perspetiva". De repente, descobrimos o que até agora nos era inacessível pelo nosso próprio preconceito. O nosso Mapa Astrológico, aquele "velho amigo" que sempre acompanhou os nossos estudos, revela agora novas facetas, novas camadas de significados complexos e inexplorados.

Serve isto tudo para dizer que, quando olhei para o seu Mapa, vi muito mais do que aquilo que apontou no e-mail. Todos os conflitos interiores sugeridos no Mapa contêm, em si mesmos, propostas de solução. Porque para cada aspeto de tensão (quadratura ou oposição) encontramos um aspeto de harmonia (trígono ou sextil) que ajuda a descobrir soluções, caminhos, possibilidades de avanço construtivo pela vida fora.

Voltando à sua questão, é muito natural que se sinta melancólico, preso às suas circunstâncias e indefinições. O momento atual pede-lhe uma grande dose de solidão, de mergulho nas suas profundezas conscientes e até inconscientes para compreender de que matéria é feito. Para resgatar a sua auto-suficiência, a sua resiliência emocional, aquela certeza primitiva de que é capaz de sobreviver a tudo - até mesmo a "carregar o mundo nas costas" (o trígono Plutão-Lua está a ser ativado, via sextis, pelo trânsito atual de Plutão em Capricórnio). 



Esta reflexão é fundamental para lhe dar a sustentação interior de que precisa quando tenta avançar na sua vida profissional. O mais provável é que não tenha um rumo profissional convencional nem nada que se lhe pareça: Quíron conjunto ao MC é mesmo assim... Não é suposto "resolver" a ferida emocional que Quíron representa, e que no seu caso diz respeito a sentir-se digno de amor, de carinho, de cuidado, de proteção. Mas isso não significa que deva resignar-se, antes pelo contrário! Tudo o que não puder fazer por si, fá-lo-á pelos outros. Para tal, será útil canalizar os seus talentos empáticos e artísticos (Lua em Peixes na Casa 5) e o enorme poder pessoal para lidar com os seus recursos, sejam materiais ou não (Plutão em Escorpião na Casa 2, que forma um grande trígono com a Lua e Quíron).

No mundo ideal, você consegue brilhar social e profissionalmente pelo seu cuidado com os outro mas também pelo modo carismático como expressa as suas ideias (Sol em Caranguejo, Mercúrio em Leão, ambos na Casa 10). Este é um dom extraordinário, o de inspirar os outros a viver a sua Criança Interior - uma mistura de carpe diem (Leão) com aconchego e proteção (Caranguejo). Mas este propósito luminoso precisa reconciliar-se (porque está no topo de um Yod) com o fardo que você sente que carrega, o seu lado ultra-responsável e que parece disposto a tomar para si mesmo todas as dores do mundo (o tal stellium em Capricórnio). E reconciliar-se também com a sua tremenda sensibilidade, com as suas emoções à flor-da-pele que o fazem sofrer o sofrimento dos outros, sem julgamento e sem defesas (Lua em Peixes). 

Claro está que muito mais haveria para analisar. Mas o essencial é isto: você está a ser chamado para "acordar", para reconhecer que pode e deve ter um papel importante na transformação do mundo lá fora, que pode e deve tornar-se responsável pelas suas ideias de solidariedade e renovação social ainda que isso não se traduza numa carreira convencional e deixe bastante expostas as suas emoções, os seus instintos. A sua ferida quirónica e as suas lutas internas não vão desaparecer, nem é suposto: encare-as como um combustível, uma razão para nunca deixar de tentar mais e melhor, um dom (de amor, de criatividade) que pode e deve colocar ao serviço dos outros, em vez de uma "maldição" que deve carregar penosamente pela vida fora. Honramos as nossas feridas emocionais quando encontramos uma forma de aliviar nos outros aquilo que nos dói em nós.

Ou como escreveu Nietzsche, é preciso ter caos dentro de nós para fazer nascer uma estrela que dança.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Amor no Estrangeiro ?

Tenho chance de me casar com uma pessoa estrangeira? Pergunto isso porque sempre gostei de coisas estrangeiras, e acho que me relacionar com alguém de ''longe'' seria uma coisa bem legal. 
Lucas, RS (Brasil)

Adaptado de Astrodienst

O estrangeiro exerce um fascínio especial em muitas pessoas. É o chamamento para descobrir algo de novo e estimulante, qualquer coisa que amplia os nossos horizontes, que nos convida a novas experiências e nos pôe em contacto com novos conhecimentos, outras perspetivas do mundo e da vida.

No mapa astrológico, é a Casa 9 que mostra o nosso olhar sobre o mundo lá fora. Será uma terra de oportunidades? De sacríficios? De descobertas? Ou de ameaças? 

No seu caso, Lucas, encontramos uma visão bastante utilitária do estrangeiro (Casa 9 em Virgem). Prudência e muito sentido crítico não fazem antever um grande desejo por viagens, ou por conhecer pessoas de outras culturas. Esse grande desejo, encontramo-lo afinal na Casa 12, aquela que mostra as nossas experiências fora da realidade habitual. Aqui, o apelo para expandir horizontes é muito forte (Lua em Sagitário), e desafia o seu poder de conquista sexual que assenta muito no estímulo intelectual, nas conversas intermináveis cheias de sentido de humor (Lua oposta a Marte que está em Gémeos, na Casa 5).

Assim, mais do que uma pessoa estrangeira, você quase anseia por uma "realidade alternativa". Por um relacionamento com grande riqueza emocional (o Sol está em Caranguejo na Casa 7, a dos relacionamentos) com alguém que o incentive a ir tão longe quanto desejar, não só em termos culturais e filosóficos mas também em termos românticos, afetivos. Assim, não se limite a procurar apenas estrangeiros, mas procure também pessoas que não são convencionais, pessoas artísticas, imaginativas, espiritualmente conectadas a um poder superior. E tenha em atenção o seu sentido crítico: pode ser útil para manter algum controlo sobre o seu poderoso lado emocional (sobretudo quando você se envolve com outras pessoas), mas pode também ser demasiado discriminatório, afastando-o das outras pessoas por terem certos "defeitos".

Para finalizar, adianto-lhe daqui até ao final do próximo ano terá excelentes oportunidades de conhecer pessoas interessantes - estrangeiros ou não. Esteja atento a quem se cruza no seu caminho e aproveite!

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Ensinar: Vocação ou Prisão?

Como posso ter Quíron em Gêmeos na Casa 9 e ter escolhido ser professora? 
Odeio essa profissão e não vejo a hora de sair dela. 
Agora, ao mesmo tempo que sou professora de português, busco o caminho da terapia floral e atuo também como terapeuta para futuramente ter condições financeiras de sair desta prisão do magistério. 
Eu só quero ser feliz.

Tatiana, RJ

Adaptado de Astrodienst
Todos temos talentos que expressamos com facilidade, com naturalidade, e mesmo com muito prazer. Da mesma forma, existem em nós dificuldades, debilidades, limitações inatas, feridas emocionais cuja cura parece impossível.

Cada pessoa se define, até certo ponto, pelo modo como escolhe lidar com esses "pontos fracos". E aqui o verbo essencial é mesmo escolher: tenhamos maior ou menor consciência disso, somos nós que decidimos de que forma vamos lidar com aquilo que nos causa dor ou medo. Varrer pra debaixo do tapete? Esconder no armário? Falar com um amigo? Com um psicoterapeuta? Deitar as culpas para cima dos outros? Dizer que é azar, karma, destino...? Ou encontrar uma profissão que nos obrigue a lidar com isso, dia após dia após dia? Escolher o que fazer é da nossa inteira responsabilidade individual, por muito ou pouco informada que seja essa decisão. 

Neste Mapa Astrológico encontramos a "semente" de uma pessoa inteligente, criativa, extrovertida, positiva e auto-motivada, que adora brilhar e expandir os seus horizontes mas que tem ao mesmo tempo um lado sério, reservado, responsável e intensamente emocional, profundamente empenhado em ser a melhor versão possível de si mesmo.

E no meio de tudo isto, eis que surge Quíron, o misterioso "curandeiro ferido", em grande destaque. 

Quíron em Gémeos
Sei, sinto, acredito no fundo de mim mesma que não sou inteligente. Doi-me a minha capacidade de aprender, de comunicar, e ao mesmo tempo sinto uma ânsia tremenda de adquirir informação, de estar em contacto - mesmo que nada do que eu faça sirva para apaziguar esta dor.

Como que observando distanciadamente todos os planetas do outro lado do Mapa, esta "ferida incurável" interfere diretamente com os relacionamentos (Vénus), com a capacidade intelectual (Mercúrio) e com a satisfação das necessidades emocionais mais elementares (a Lua).

Comecei a análise do Mapa com o adjetivo "inteligente" porque este Quíron pede clareza de ideias. Mas a inteligência que aqui surge refletida não é uma inteligência convencional: 

- O Ascendente Libra sugere uma abordagem lúcida e lógica de qualquer situação.

Mercúrio está em Virgem: pensamento super-analítico, super-analítico! Na Casa 12, precisa de isolar-se do quotidiano de vez em quando e vaguear um pouco pelo reino do sonho e da imaginação - mas o poder de observação e de raciocínio está lá. E em estreita colaboração criativa (sextil) com Saturno em Escorpião - que lhe dá um radar investigativo para aprofundar a análise de qualquer questão, por mais incómoda ou traumática que seja.

- A Lua em Sagitário, juntinho a Urano retrógrado na Casa 3. Este é um elemento determinante daquilo a que chamaria "inteligência não-convencional": uma intuição apuradíssima, quase clarividente, que lhe permite saber instintivamente e prematuramente muitas coisas a que um normal esforço mental não teria acesso. Este acesso quase sobrenatural a um conhecimento que está muito para além de qualquer análise racional manifesta-se na forma como você comunica e aprende com as outras pessoas.



Estes três fatores já servem para demonstrar que você é, de fato, uma pessoa inteligente. A razão porque se tornou professora? Talvez para provar a si mesma que é inteligente. Que é capaz de dominar o reino de Gémeos onde o seu Quíron a faz sentir tão vulnerável. Outras pessoas decidiriam fugir de tudo isso - não aprender, não ensinar. Você, decidiu o contrário. Enfrentar o desafio, por muito que lhe custe. É que não se trata apenas de transmitir informação. Com Quíron na Casa 9, você precisa de sentir que consegue inspirar e guiar outras pessoas na sua própria expansão de horizontes intelectuais. E com o Nodo Ascendente em conjunção a Quíron, esse desígno torna-se ainda mais importante: representa um desafio essencial na sua evolução pessoal, em que cada conquista lhe traz profunda satisfação pessoal e convicção de que mais um obstáculo foi ultrapassado com sucesso.

Você tem dentro de si um mestre (Lua-Urano) e um discípulo (Quíron), em simultâneo. Pode às vezes parecer que são incompatíveis, que as suas "batalhas quirónicas" não lhe trazem bem-estar, segurança emocional, paz interior. Mas é provável que o magistério tenha sido uma etapa essencial ao desenvolvimento dos seus talentos quirónicos, que agora pretende colocar ao serviço das outras pessoas. De certa forma, vai continuar ensinando e aprendendo, só que num nível diferente. 

Até isso acontecer, pergunte-se de que forma pode levar a sua Lua-Urano para a sala de aula. Como pode tornar a sua abordagem ao ensino mais criativa, mais estimulante e aprazível para si e para os seus alunos, muito mais inovadora e democrática com os talentos e as capacidades de cada um deles, individualmente. E, já agora, cuide também do seu Sol - que ele é um menino positivamente mimado! :-) Partilhe tudo o que a apaixona com outras pessoas que sintam o mesmo, permita-se brilhar e ser admirada por aqueles que entendem a sua visão, a sua paixão. 

Afinal, a sua viagem ainda agora começou.

domingo, 16 de junho de 2013

Que Inferno é o seu?

Às vezes temos a certeza de que o Inferno existe mesmo. Não como um lugar mítico para onde se exilam as almas pesadas de tanto pecar, ou como algum conceito teológico utilizado como arma contra a falta de fé num Deus institucional. O Inferno existe em muitos infernos e inferninhos, aqui mesmo na Terra, e está abundantemente disperso por todo o lado.

A minha definição de Inferno seria a de uma experiência ou estado de espírito envolvendo grande sofrimento, e do qual aparentemente não somos capazes de sair. A parte do "sem fuga possível" é importante, pois se fosse fácil escapar não seria o Inferno, apenas uma  inconveniência temporária. Quanto ao conceito de "grande sofrimento", cada cabeça sua sentença. Ficar preso no trânsito é o inferno dos impacientes, ser rejeitado o inferno dos apaixonados, perder para a Morte alguém que se ama o inferno de todo o ser humano em alguns momentos da sua vida.

Outros infernos não são situações ou circunstâncias, mas antes emoções e pensamentos em circuito fechado que povoam muita da nossa atenção consciente. O não saber perdoar, não conseguir esquecer, não parar de enciumar, não vencer a inveja, não deixar o rancor. Estes são infernos muito pessoais, partilhados apenas com quem nos está mais próximo e cuja compreensão nos possa oferecer algum tipo de alívio, ainda que temporário. 

No fundo, até sabemos que a entrega às labaredas da auto-comiseração é voluntária. Mas sejamos francos: as emoções negativas podem ser tão viciantes como as positivas. E quando esse vício se torna verdadeiramente incontrolável, não resistimos a propagá-lo. Como sereias malévolas ou demónios da encruzilhada (escolha você a mitologia que prefere ;-), atraimos todos os que apanhamos no nosso raio de acção para connosco multiplicarem o inferno em que vivemos. Controlamos, manipulamos, torturamos psicologica e emocionalmente. Nascem assim os infernos a dois, a três ou a mais.

E quando os infernos interiores são tão intensos no sofrimento que provocam e na capacidade de contágio que têm, apoderam-se de lugares reais. Encontramo-los em casas de família e em locais de trabalho. Fogueiras colectivas onde a mente e o coração dos incautos é aprisionado - muitas vezes por inconsciência, mas sempre com o seu consentimento.


O mapa astrológico mostra-nos a natureza das nossas maiores aprendizagens e em que áreas da vida surgirão mais oportunidades de aprender. Às vezes essa slições serão agradáveis, até extasiantes. Mas noutras alturas só mesmo um inferno ou dois farão desenvolver em nós a força e a resiliência necessárias para dar um significativo salto em frente. Porque só encarando o Inferno poderemos discernir nas suas labaredas os ecos dos nossos conflitos interiores, e quem sabe (com um pouco de lucidez) encontrar a melhor forma de ultrapassar esses conflitos.  
Aprendizagens difíceis, mas necessárias. Primeira etapa: Reconhecer que o inferno em que estamos há-de servir para alguma coisa - encontrar um propósito. Segunda etapa: Perceber o que aquele inferno em particular nos diz sobre quem somos - discernir um fio condutor no meio do caos emocional. Terceira etapa: Decidir sobre a continuidade do inferno - seguir o fio condutor sem receio do que nos espera no final, ou permanecer impávido e impotente, agrilhoado por vontade própria.

Ah, quando conseguimos fugir de um inferno... Não há sensação comparável. É mais do que alívio, é libertação. Chega dessa aula interminável (e inflamável!), passemos a experiências novas, não importa se boas ou más! Dedicamos um pouco de compaixão pelos que ainda lá ficaram, pelos que ainda não descobriram que podem fugir, mas nada mais podemos fazer. Não nos compete definir, rotular ou julgar os infernos dos outros, muito menos ditar sentenças de quem deve salvar-se e quando. A cada um, o seu inferno, a sua aprendizagem, a sua responsabilidade por ficar ou partir.

"Se estiveres a passar pelo Inferno, continua a andar."
Sir Winston Churchill

terça-feira, 11 de junho de 2013

E hoje, já escutou os "muitos" que você é?

Quando fala de si mesm@ num contexto social, como se apresenta?

Normalmente somos apresentados a novas pessoas pelo nosso nome próprio e pela nossa profissão, mesmo quando não estamos em contexto profissional. Numa conversa mais alargada, podemos dizer que somos pais/mães, tenistas amadores ou membros da associação recreativa lá do bairro. Este tipo de informação faz parte não só do cartão de visita que mostramos ao mundo, mas também do rótulo que aplicamos a nós mesmos: um rótulo com informação diversificada, mas ainda assim um rótulo único, indivisível, minimamente coerente.

Na verdade, a coerência que nos esforçamos por ostentar não reflecte, nem de perto nem de longe, a realidade do que somos. Frases como "chamo-me Zé e prefiro preguiçar ao fim-de-semana em vez de ajudar com as compras da casa" não são aceitáveis como rótulo próprio nem causam boa impressão (mesmo em contexto de flirt pouco eficaz!). Mas nem por isso deixam de reflectir uma parte do que somos.

Nas palavras de Fernando Pessoa, "Eu sou Muitos". 

Se observarmos com alguma distância o nosso próprio comportamento, rapidamente chegamos à conclusão que esses "Muitos" se vão alternando ao longo do dia. Às 7h da manhã, sou quem adora preguiçar e se pudesse não trabalharia nem mais um dia...! Às 10h da manhã, sou profissional super-eficiente. À hora do almoço, sou expressiva e cativante num encontro de negócios. Ao final da tarde, sou eremita que anseia por regressar à "caverna". E assim por diante... 

Pelo meio, surgem outros "Muitos" aqui e ali. Sou a colega invejosa que detestou saber da promoção de outro. Sou a empregada submissa que não foi capaz de dizer não ao pedido absurdo do chefe. Sou a mulher insegura que liga para o escritório do marido quando este diz que vai trabalhar até mais tarde. E muitos outros "Muitos" que a maioria de nós prefere varrer para debaixo do tapete. (Imagine-se o ridículo a que estes "cartões de visita" nos exporiam...!)

E no entanto cada um de nós é mesmo Muitos, sem hipótese de a eles fugir. Como um espelho que estivesse partido em vários pedaços. Alguns fragmentos são maiores, ocupam o "lugar do condutor" do nosso ego durante mais tempo. Outros são mais pequenos, representam aqueles rasgos imprevisíveis que lá muito de vez em quando nos assaltam ("Chiça! Nem parecias tu!"). Mas a distinção mais importante será a que fazemos quanto ao reflexo que nos devolve cada fragmento: algumas partes do espelho são luminosas, mostram-nos como gostaríamos de ser o tempo todo; outras partes são escuras e sujas, nelas vemo-nos feios e esquisitos, preferíamos que não existissem. Então colamos os fragmentos de que mais gostamos (os maiores e mais luminosos), e tentamos esquecer que os restantes existem.
Astrologicamente, encontramos os diferentes "pedaços" de quem nascemos para ser representados nos planetas do nosso mapa de nascimento. Imagine que cada pedaço-planeta era uma pessoa, e que todas estas pessoas estão reunidas em permanência, algures dentro de si, para determinar os seus objectivos, as suas emoções, os seus recursos..., e como você se vai comportar em cada segundo que passa. 
O Sol é o moderador da reunião, a Lua a anfitriã, Mercúrio o estratega, Vénus a diplomata, Marte o lutador, Júpiter o empreendedor, Saturno o velho do restelo, Quíron o transgressor ferido, Urano o génio excêntrico, Neptuno o romântico sonhador e Plutão o poderoso obscuro. 
O signo em que cada planeta se encontra mostra como ele desempenha o seu papel: Mercúrio em Virgem é um estratega que se preocupa com os detalhes, Mercúrio em Sagitário será um estratega que olha em primeiro lugar para o significado maior do plano. E os aspectos entre os planetas (os ângulos entre as suas posições) reflectem a natureza da sua interacção. Marte pode ser um excelente braço-direito do Sol, ou um rufia que tenta impor-se na reunião desafiando a autoridade do moderador.

E assim a análise de uma mapa astrológico ganha vida, e assiste-se em cada pessoa a uma peça de teatro original, complexa, interminável. Começa-se a compreender os Muitos de que é feita aquela pessoa, como esses Muitos interagem entre si e de que forma seria possível tornar as suas reuniões mais harmoniosas, mais produtivas. Afinal, quem quer ter um planeta amuado dentro de si, conspirando e sabotando porque foi rejeitado e não sabe de que outro modo actuar para ser escutado e integrado...? 

Porque o espelho de quem somos buscará sempre o retorno à forma integral, completa. Para que isso aconteça, todos os pedaços devem ser incluídos - mesmo aqueles que à partida parecem "estragar" a nossa auto-imagem. Os Muitos que somos - e os planetas que os representam - anseiam por uma espécie de esquizofrenia democrática em que todos têm voz, todos oferecem algo ao debate, e o produto final reflecte o consenso da maioria sem abafar as legítimas necessidades de ninguém. 

Se somos Muitos, tenhamos a autenticidade de os sermos Todos.

Se faço estas análises de um modo lasso e casual, não é senão porque assim retrato mais o que sou. 
De uma análise propriamente profunda não só sou incapaz, mas sou também artista demais para a pensar em fazer; pensar em fazê-la seria pensar em dar de mim a ideia de que sou uma criatura disciplinada e coerente, quando o que sou é um analisador disperso e subtilmente desconcentrado. 
A minha arte é ser eu. Eu sou muitos. Mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão. 
Fernando Pessoa, in 'Reflexões Pessoais (1930)'