Às vezes temos a certeza de que o Inferno existe mesmo. Não como um lugar mítico para onde se exilam as almas pesadas de tanto pecar, ou como algum conceito teológico utilizado como arma contra a falta de fé num Deus institucional. O Inferno existe em muitos infernos e inferninhos, aqui mesmo na Terra, e está abundantemente disperso por todo o lado.
A minha definição de Inferno seria a de uma experiência ou estado de espírito envolvendo grande sofrimento, e do qual aparentemente não somos capazes de sair. A parte do "sem fuga possível" é importante, pois se fosse fácil escapar não seria o Inferno, apenas uma inconveniência temporária. Quanto ao conceito de "grande sofrimento", cada cabeça sua sentença. Ficar preso no trânsito é o inferno dos impacientes, ser rejeitado o inferno dos apaixonados, perder para a Morte alguém que se ama o inferno de todo o ser humano em alguns momentos da sua vida.
Outros infernos não são situações ou circunstâncias, mas antes emoções e pensamentos em circuito fechado que povoam muita da nossa atenção consciente. O não saber perdoar, não conseguir esquecer, não parar de enciumar, não vencer a inveja, não deixar o rancor. Estes são infernos muito pessoais, partilhados apenas com quem nos está mais próximo e cuja compreensão nos possa oferecer algum tipo de alívio, ainda que temporário.
No fundo, até sabemos que a entrega às labaredas da auto-comiseração é voluntária. Mas sejamos francos: as emoções negativas podem ser tão viciantes como as positivas. E quando esse vício se torna verdadeiramente incontrolável, não resistimos a propagá-lo. Como sereias malévolas ou demónios da encruzilhada (escolha você a mitologia que prefere ;-), atraimos todos os que apanhamos no nosso raio de acção para connosco multiplicarem o inferno em que vivemos. Controlamos, manipulamos, torturamos psicologica e emocionalmente. Nascem assim os infernos a dois, a três ou a mais.
E quando os infernos interiores são tão intensos no sofrimento que provocam e na capacidade de contágio que têm, apoderam-se de lugares reais. Encontramo-los em casas de família e em locais de trabalho. Fogueiras colectivas onde a mente e o coração dos incautos é aprisionado - muitas vezes por inconsciência, mas sempre com o seu consentimento.
O mapa astrológico mostra-nos a natureza das nossas maiores aprendizagens e em que áreas da vida surgirão mais oportunidades de aprender. Às vezes essa slições serão agradáveis, até extasiantes. Mas noutras alturas só mesmo um inferno ou dois farão desenvolver em nós a força e a resiliência necessárias para dar um significativo salto em frente. Porque só encarando o Inferno poderemos discernir nas suas labaredas os ecos dos nossos conflitos interiores, e quem sabe (com um pouco de lucidez) encontrar a melhor forma de ultrapassar esses conflitos.
Aprendizagens difíceis, mas necessárias. Primeira etapa: Reconhecer que o inferno em que estamos há-de servir para alguma coisa - encontrar um propósito. Segunda etapa: Perceber o que aquele inferno em particular nos diz sobre quem somos - discernir um fio condutor no meio do caos emocional. Terceira etapa: Decidir sobre a continuidade do inferno - seguir o fio condutor sem receio do que nos espera no final, ou permanecer impávido e impotente, agrilhoado por vontade própria.
Ah, quando conseguimos fugir de um inferno... Não há sensação comparável. É mais do que alívio, é libertação. Chega dessa aula interminável (e inflamável!), passemos a experiências novas, não importa se boas ou más! Dedicamos um pouco de compaixão pelos que ainda lá ficaram, pelos que ainda não descobriram que podem fugir, mas nada mais podemos fazer. Não nos compete definir, rotular ou julgar os infernos dos outros, muito menos ditar sentenças de quem deve salvar-se e quando. A cada um, o seu inferno, a sua aprendizagem, a sua responsabilidade por ficar ou partir.
"Se estiveres a passar pelo Inferno, continua a andar."
Sir Winston Churchill