sexta-feira, 13 de julho de 2007

Aleister Crowley


"Uma rosa vermelha absorve todas as cores,
menos a vermelha;
Vermelha, portanto, é a única cor que ela não é.
Essa Lei, Razão, Tempo, Espaço,
toda Limitação, cega-nos à Verdade
Tudo o que sabemos sobre o Homem, Natureza, Deus,
é apenas aquilo que eles não são;
é aquilo que rejeitam como repugnante."

Aleister Crowley, in Liber CCCXXXIII, Cap. 40


Aleister Crowley nasceu Edward Alexander Crowley, a 12 de Outubro de 1875, em Warwickshire, Inglaterra. O seu pai, fervoroso crente dos Brethren de Plymouth (movimento cristão evangélico), falece quando Crowley tinha apenas 12 anos. As tentativas de sua mãe para tomar as rédeas da sua educação religiosa não têm sucesso, e contribuem apenas para criar um crescente cepticismo na mente do jovem Aleister. Em 1895, ingressa no Trinity College de Cambridge, onde estudou Literatura Inglesa durante 3 anos. Nesse período, Aleister corta definitivamente todos os laços que o ligam à religião convencional, mantendo porém uma aparência de crente empenhado.

O final de 1896 fica marcado por um acontecimento que Crowley descreve apenas por meias-palavras, e que o terá levado a ingressar definitivamente nos caminhos do ocultismo e do misticismo. As suas leituras passam a incluir obras sobre alquimia e magia, e levam-no a encarar as ambições mundanas como fúteis e sem sentido – a carreira diplomática que tinha pensado seguir fica definitivamente posta de lado. Um ano mais tarde, Crowley publica o seu primeiro livro de poesia ("Aceldama"), e adere àquela que é provavelmente a mais conhecida ordem mágica de sempre: a Ordem Hermética da Aurora Dourada (Hermetic Order of the Golden Dawn). A ascensão de Crowley na hierarquia da Ordem é relativamente rápida, passando de Neófito (o primeiro grau) a Adeptus Minor (o sétimo grau) em apenas 2 anos.

Em 1900 a Aurora Dourada é destruída por querelas internas, e Crowley prossegue os seus estudos mágicos viajando sozinho pelo México. Desenvolveu um especial interesse pelo Budismo e começou a praticar Raja Yoga. Escreve o ensaio "Berashith" (a primeira palavra do Génesis), onde defende a meditação como meio de atingir o estado mental necessário à realização de magia cerimonial, uma forma de treinar a vontade e de dirigir o pensamento para um único objecto.

Em 1904, uma experiência mística mudaria o rumo da sua vida. Durante umas férias no Egipto, o comportamento estranho da sua esposa Rose leva Crowley a pensar que esta tinha sido contactada por alguma entidade sobrenatural. Seguindo as instruções de Rose, Crowley invoca o deus Horus, que lhe terá dito que um novo Aeon (ou Era) mágico estaria a começar, e que ele seria o seu profeta. Alguns dias mais tarde, Crowley ouve uma voz que lhe dita o texto publicado mais tarde como “O Livro da Lei” (Liber AL vel Legis, ou abreviadamente “AL”). A voz diz ser Aiwass, ministro de Horus, filho de Isis e Osiris, conquistador do novo Aeon, e proclama Crowley como o “príncipe-sacerdote”. O conteúdo do Livro da Lei é críptico, de difícil leitura, dado a várias interpretações. Crowley escreveu sobre ele durante o resto da sua vida, tentando decifrar os seus mistérios, convicto de que se tratava de uma espécie de “tratado espiritual” comparável aos ensinamentos de Buda, Jesus e Maomé, e que deveria ser o fundamento de toda a religião moderna. O método utilizado por Crowley para interpretar AL é eminentemente cabalístico, servindo-se da gematria, técnica que atribui um significado numerológico às palavras em hebraico. A verdadeira origem do livro parece envolta em mistério até para o próprio Crowley. Embora nos primeiros tempos tenha colocado a “improvável” hipótese de Aiwass ser na realidade uma manifestação do seu próprio inconsciente, acaba por reconhecer ao “ministro de Horus” um conhecimento muito superior àquele que o próprio Aleister Crowley poderia alguma vez ter acesso, consciente ou inconscientemente. No livro “Magick Without Tears” (Magia sem Lágrimas), escreve:


“Na altura [da escrita do Livro da Lei], compreendia o suficiente para me assegurar de que o Autor do Livro sabia, pelo menos, tanto da Cabala como eu. Subsequentemente descobri mais do que o suficiente para ter a certeza de que ele sabia muito mais, e de uma ordem muito mais elevada, do que eu. Finalmente, o tempo e o estudo desesperado vieram iluminar muitas passagens obscuras, não deixando quaisquer dúvidas na minha mente de que ele é certamente o supremo Cabalista de todos os tempos.”


Em 1907, Crowley recupera a filosofia da Thelema, utilizando-a como a teoria fundamental por detrás de duas novas ordens: a Ordem da Estrela Prateada, Argenteum Astrum (A∴A∴), e a Ordem do Templo do Oriente, Ordo Templi Orientis (O.T.O.). A palavra Thelema remonta à Grécia Antiga, ao termo que designava vontade, desejo, objectivo. Nos primeiros escritos cristãos era uma referência à vontade de Deus, do Homem, e até do Demónio. A Thelema de Crowley ressuscita a filosofia ficcional de François Rabelais (séc.XVI), e pode resumir-se numa única frase:


“Faz o que quiseres. Que esta seja a totalidade da Lei.”


Na obra de Crowley, esta ideia surge pela primeira vez no Livro da Lei. Com o tempo, acaba por construir em torno deste mote todo um sistema filosófico, místico e religioso, com influências do ocultismo, do yoga e dos misticismos oriental e ocidental (especialmente a Cabala). Em 1920, é fundada a Abadia da Thelema em Cefalù, Sicília: uma espécie de “anti-mosteiro”, cujos habitantes se dedicavam não ao cumprimento de leis, estatutos ou regras, mas sim à vivência plena da sua livre Vontade. Esta ideia utópica serviria de modelo à comuna de Crowley, constituindo por outro lado uma espécie de escola de magia, “Collegiu ad Spiritum Santum” (Colégio do Espírito Santo). O programa do curso aí ministrado é semelhante ao da iniciação na A∴A∴, e inclui adorações diárias do Sol, estudo das obras de Crowley, yoga, rituais variados, e trabalhos domésticos. O objectivo final seria que o estudante se dedicasse ao Grande Trabalho de descobrir e manifestar a sua Verdadeira Vontade.

Entre 1909 e 1913, Crowley edita os 10 primeiros números do Equinox, uma publicação bianual que funcionava como “a voz oficial” da A∴A∴. A sua política editorial tem como objectivo a observação das experiências místicas à luz da crítica científica. Crowley está determinado em divulgar a sua visão do ocultismo, a de que o progresso espiritual não depende dos códigos morais ou religiosos, mas antes funciona como qualquer ciência.


“A Magia pode mostrar os seus segredos ao infiel e ao libertino, da mesma forma que não é preciso ser um sacristão para descobrir um novo tipo de orquídea. Existem, obviamente, certas virtudes necessárias ao Mago; mas são da mesma natureza daquelas que fazem um bom Químico.”
In Magick, Book 4

Com a chegada dos fascistas de Mussolini ao poder, em 1923, Crowley é banido de Itália, mais tarde de França, e na sua Inglaterra natal há muito que os meios de comunicação haviam movido uma autêntica guerra, considerando-o “o homem mais perverso do mundo”. O sistema iniciatório da A∴A∴ incluía magia sexual, e muitas das suas opiniões sobre esse assunto são absolutamente radicais naquela época. Grande parte dos seus poemas e tratados combinam temas pagãos com imagens sexuais homo- e heterossexuais, um verdadeiro atentado à ordem moral e religiosa estabelecidas, e a conservadora sociedade europeia está longe de conseguir tolerá-lo. Felizmente, isso não impede Crowley de continuar a estabelecer bons contactos, entre eles Israel Regardie, outro importante vulto do ocultismo do séc.XX, e um dos principais responsáveis pela preservação do legado da Ordem da Aurora Dourada, após a sua extinção. Em 1928, Regardie torna-se secretário de Crowley, que inicia um período mais introspectivo da sua obra com a publicação dos dois primeiros volumes de “As Confissões”. A colaboração com Regardie termina em 1932, e dois anos mais tarde Crowley é obrigado a declarar falência. Nesse ano de 1934 o seu nome volta às luzes da ribalta, quando perde em tribunal um importante processo que havia movido contra a artista Nina Hamnett, por tê-lo chamado de “mago negro” numa das suas obras. Tornaram-se célebres as alegações finais do advogado de Hamnett, Justice Swift:

“Estou envolvido na administração da Lei há 40 anos […]. Pensei que já tinha visto toda a forma concebível de malvadez. Pensei que tudo o que era vil e mau já me havia sido mostrado, numa ou noutra vez. Aprendi neste caso que podemos sempre aprender algo mais se vivermos o tempo suficiente. Nunca ouvi nada tão horrível, blasfemo e abominável como aquilo que foi dito pelo homem [Crowley] que se auto-intitula ‘o maior poeta vivo’.”


Nos anos seguintes, e apesar das dificuldades “mundanas”, Crowley permanece activo enquanto autor, publicando “O Equinócio dos Deuses” (1937), “Oito Lições de Yoga” (1939), “O Livro de Thoth” e respectivo baralho de Tarot (1944) – uma das suas obras mais reconhecidas actualmente. O seu último trabalho escrito, “Magick without Tears”, constituído por 80 cartas para vários estudantes de Magia, só seria publicado em 1954, a título póstumo.


Aleister Crowley deixa este Mundo em 1 de Dezembro de 1947, com 72 anos, vítima de infecção respiratória. A morte do seu médico acompanha a sua, num intervalo de menos de 24 horas, coincidência que os jornais da altura atribuíram a uma maldição do próprio Crowley, pelo facto de o médico se ter recusado a prescrever-lhe opiáceos. Para a História fica a obra de um dos homens mais odiados do seu tempo, figura enigmática e polémica, cujo legado continua e continuará sempre a influenciar a Magia e o Ocultismo Ocidentais.

“Consigo imaginar-me no meu leito de morte, pleno de luxúria para tocar o outro Mundo, como um rapaz que pede a uma mulher o seu primeiro beijo”.
Aleister Crowley
Fontes:
O Mago das Mil Faces, por Carlos Raposo

2 comentários:

  1. parabéns pelo site
    se me permitem, vou adiciona-los aos links do meu blog
    abraço
    93!

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  2. Antes de mais, quero dizer que gosto muito da forma como escreves, tens rigor, algo, por vezes, difícil de encontrar nos blogues. Além disso, ler os teus textos extensos nunca se torna algo cansativo. Parabéns, escreves muito bem!

    Depois, Crowley é umas das figuras que mais me intriga. O meu primeiro baralho de tarot, e o que utilizo com mais regularidade, é o seu e tenho feito alguns estudo sobre as suas teorias. Tenho quase a obra completa, mas, confesso, ainda não tive coragem para mergulhar lá dentro. Porém, depois de ler o teu texto fiquei com a chama avivada.

    Obrigada!

    QUe a luz e o conhecimento acompanhem os nossos passos

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