Perséfone era filha de Zeus, rei dos Deuses, e de Deméter, deusa da Fertilidade.
A sua mãe manteve-a sempre longe do Monte Olimpo e dos deuses que a desejavam (Hermes, Ares e Apolo), escondendo-a entre o mundo natural onde Perséfone cresceu bela e inocente. Certa vez estava Perséfone colhendo flores quando Hades, deus do Mundo Inferior, irrompeu por uma fenda na terra e levou Perséfone para os seus domínios. Desesperada com o súbito desaparecimento da filha, Deméter deixou de lado os seus deveres de guardiã da fertilidade e passou a deambular pelo mundo buscando a desaparecida Perséfone. O mundo natural perdeu a sua vitalidade e a fome e a escassez propagaram-se indiscriminadamente. Zeus decidiu então intervir, exigindo a Hades que devolvesse Perséfone a sua mãe. Havia no entanto um senão: Hades tinha convencido Perséfone a comer algumas sementes de romã, e pelas leis das Moiras (as 3 irmãs que decidiam o destino de deuses e homens), quem quer que se alimentasse no Mundo Inferior era obrigado a lá permanecer para sempre. Para cumprir com a vontade das Moiras e simultaneamente restituir a fertilidade à Terra, ficou então acordado que dali em diante Perséfone passaria uma parte do ano com Hades e outra parte do ano com Deméter. E foi assim que Perséfone se tornou a Deusa do Mundo Inferior, responsável pela sucessão das estações do ano, nas quais a Terra produz ou repousa.
A passagem de Plutão por Capricórnio tem-me relembrado o rapto de Perséfone. Plutão (identificado mitologicamente com Hades) traz consigo um profundo impulso para a transformação, e tudo o que toca é forçosamente purificado por uma viagem ao reino das Sombras interiores antes que possa voltar a encontrar algum tipo de Luz. Neste momento, os nativos de Capricórnio (sobretudo os que nasceram na última semana doano) sentir-se-ão como Perséfone, “arrancados” à identidade que foram construindo ao longo de muito tempo (o mundo natural gerido por Deméter) para uma inesperada viagem por aquilo que sempre recusaram aceitar em si próprios (o seu Mundo Inferior muito pessoal). Suponho que para o “capricorniano médio” isso implique revisitar os alicerces menos sólidos da sua estrutura identitária. Aquelas pequenas coisas que preferimos “varrer para debaixo do tapete”, por considerarmos indignas da nossa solidez mental e/ou inapropriadas para a nossa segurança emocional e/ou intoleráveis pelos nossos valores morais e/ou desadequadas aos nossos projectos de vida. Enquanto Perséfone é mantida no reino de Hades nada floresce, nada é produzido, e por isso também para quem de momento está sob o efeito da conjunção de Plutão ao Sol natal parece que nada avança exteriormente, ainda que a um nível mais profundo tudo esteja em ebulição.
O nosso Eu terá sido simbolicamente raptado por Hades, e onde antes tínhamos certezas encontramos agora apenas dúvidas. Os aspectos da vida em que isso será mais evidente podem ser encontrados na casa onde se encontra o Sol de cada capricorniano. É nessa casa que estabelecemos a sede do nosso ego, são esses temas as matérias-primas essenciais com que sempre construímos os alicerces da nossa identidade. Que combustível tem alimentado o motor da vossa revolução interior, meus bravos companheiros capricornianos? Problemas financeiros? Dificuldades de relacionamento com familiares próximos, ou com amigos? Desilusões amorosas? Se tiverem Mercúrio antes do Sol, a vossa mente racional irá preceder o vosso ego na descida aos Infernos de Hades, e talvez isso ajude a compreender melhor o que se está a passar. Sim, fomos raptados. Não, não é o fim do mundo.“Aquilo que o Casulo diz ser o Fim, o resto do Mundo chama Borboleta” (Lao Tzu).
Um detalhe do mito de Perséfone pode inspirar-nos. Hades deu-lhe a comer sementes de romã, o fruto que desde a Antiguidade simboliza o conhecimento esotérico mais secreto. Ainda que potencialmente dolorosa e certamente catártica, esta imersão nos aspectos mais sombrios do nosso ser dar-nos-á conhecimento precioso que em circunstâncias normais nos é inacessível. Conhecimento sobre nós, sobre a verdadeira natureza da nossa interacção com os outros e com o mundo.
O que realmente nos move nos nossos sonhos, nas nossas conquistas e derrotas? Que alicerces são fundamentais à nossa estrutura interna? Em que pilares falsos nos temos vindo a apoiar inconscientemente, negligenciando o caminho que a nossa Alma escolheu percorrer nesta Vida? Este é o conhecimento secreto com que nos podemos alimentar durante o “cativeiro”, durante os longos meses de Inverno que atravessamos. Quando finalmente regressarmos à superfície, não mais seremos os mesmos. E, como Perséfone, voltaremos a repetir a viagem ao Mundo de Hades de quando em vez, sempre que as respostas superficiais não forem suficientes para saciar as inquietações que irão surgindo na construção do nosso Eu. É que as sementes da romã (como as do conhecimento secreto de nós mesmos) são deliciosas, e quando aconchegadas na Terra sob a luz do Sol podem gerar árvores vigorosas, belíssimas flores e magníficos frutos.